sábado, 27 de novembro de 2010

Ele fez o mundo tremer

No século XIII, Gêngis Khan fundou um império que mais tarde iria do mar Cáspio ao oceano Pacífico, a partir da Mongólia. Tanto poder e preparo contrastam com sua origem: o líder passou a infância em completo desalento
por Jean-Paul Roux
© AKG IMAGES/LATINSTOCK
Raro retrato do conquistador que tomou para si e para seus filhos a Ásia e parte da EuropaRetrato de Gêngis Khan, pintura em seda, escola chinesa, c.1155
Nas profundezas da Ásia da segunda metade do século XII, a Mongólia oriental era um país bonito, mas rude. O clima da região era especialmente favorável à formação de guerreiros saudáveis e resistentes. Esses homens eram extraordinários cavaleiros, e seus animais, inigualáveis. Além disso, o armamento dos guerreiros incluía arcos excepcionais.

O chamado “perigo amarelo” já era conhecido na Europa, como memória assombrosa do século V, quando os hunos, liderados por Átila, promoveram ataques e conquistas em vários países. Provavelmente, eles provinham de tribos nômades da Ásia central.

No século XII, porém, parecia remota a possibilidade de ataques de nômades do Oriente. Fazia muito tempo que eles estavam quietos. Os turcos uigures, que formaram o último império das estepes, haviam sido destruídos em 840 por outros turcos, os quirguizes do Ienissei. Os vitoriosos nada construíram e não tardaram a recuar para o vale de seu rio, em 924.

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Copa surgiu para curar as feridas da Primeira Guerra Mundial

Eleito presidente da FIFA em 1921, Jules Rimet tinha o projeto de usar o futebol para aproximar os povos após o conflito. Em 1930, o sonho se tornou realidade: há 80 anos nascia o evento esportivo mais popular do planeta
por Eric Pincas
Popperfoto / Getty Images
Uruguaios comemoram a conquista do primeiro campoenato mundial em 1930, uma "tempestade de entusiasmo" que emocionou Rimet
Na baía de Villefranche-sur-Mer, em 21 de junho de 1930, um navio deslizava lentamente rumo ao horizonte. Saindo da França, seu destino era o Uruguai. A bordo, passageiros quase anônimos. Rapazes fortes e musculosos que enfrentavam a travessia para disputar a partida de abertura da primeira Copa do Mundo de futebol. Um batismo duplo, de certa forma. A maior parte deles jamais tinha se aventurado pelo mar, e a viagem até Montevidéu iria durar 15 dias. Por sorte, as condições meteorológicas se anunciavam favoráveis.

A bordo do Conte Verde, um homem de terno e gravata, cabelos brancos e bigode finamente talhado ostentava um sorriso discreto. Em sua bagagem, uma estatueta de 30 cm de altura e 4 kg, representando uma Vitória segurando sobre a cabeça um vaso octogonal: a Copa do Mundo, um troféu de ouro maciço produzido pelo escultor francês Abel Lafleur. O homem que cuidava desse precioso tesouro chamava-se Jules Rimet. Presidente da Federação Internacional de Futebol desde 1921, ele batalhava, havia quase dez anos, para organizar uma competição aberta às equipes do mundo inteiro. Seu leitmotiv: aproximar os jogadores dos dois hemisférios, em um espírito de fraternidade, e fazer do futebol o rei dos esportes atléticos.

As esperanças que ele depositava nessa primeira Copa do Mundo eram imensas. A poucas semanas do momento do primeiro confronto, ele rememorava o quanto tinha sido longa a estrada até o embarque para a América do Sul.

Nascido em 24 de outubro de 1873 em Theuley-les-Lavoncourt, um vilarejo de Haute-Saône, na região francesa de Franco-Condado, o pequeno Jules passou a infância entre a escola, a loja de produtos alimentícios do pai e o moinho do avô. A agricultura regional sofria então o impacto da guerra franco-prussiana de 1870. As condições de vida eram difíceis. Em 1885, com 12 anos, ele se juntou aos pais, que haviam partido em busca de uma vida melhor em Paris. Aluno estudioso, terminou o ensino médio e começou a estudar direito. Uma carreira jurídica se abria para ele. Mas seria essa sua verdadeira vocação?

Abolição da escravidão: a igualdade que não veio

Há mais de um século, o dia 13 de maio marca a data da assinatura da lei que emancipou os escravos. A concessão da liberdade, porém, foi acompanhada de medidas que negaram a cidadania plena aos negros
por Flávio Gomes e Carlos Eduardo Moreira de Araújo
Acervo Fundação Brasileira Nacional, RJ
Negros na colheita de café no fim do século XIX.
No início de 1929, o periódico carioca O Jornal apresentava em suas páginas uma “preciosidade suburbana” de 114 anos: “Um preto velho, curvado sobre um cacete nodoso, typo impressionante, que raramente se vê em nossa capital”. O homem havia procurado aquela redação no intuito de pedir ajuda para comprar uma passagem para a Barra do Piraí, onde iria visitar seu neto, mas, diante do olhar de espanto dos jornalistas, decidiu sentar para conversar e contar suas histórias do tempo em que era escravo: “Eu nasci em São João del Rey, quando ainda estava no Brasil o sr. dom João, pai do primeiro imperador. Era molecote e pertencia ao sr. capitão Manoel Lopes de Siqueira”. Teria sido vendido para o coronel Ignácio Pereira Nunes, dono da fazenda da Cachoeira, em Paraíba do Sul. Ali labutava quando estourou a Revolução Liberal de 1842 (ver glossário). Trabalhava tanto na lavoura como nas tropas que cruzavam o vale do Paraíba despejando café no porto do Rio de Janeiro.

O ex-escravo chamava-se Hipólito Xavier Ribeiro e era morador do morro da Cachoeirinha, na serra dos Pretos Forros (localizada entre os atuais bairros de Lins de Vasconcelos e Cabuçu, na zona norte do Rio de Janeiro). Ao longo de sua vida testemunhou importantes acontecimentos da história do Brasil, entre os quais a Guerra do Paraguai, da qual participou: “Quando o imperador mandou chamar os moços brancos para servir na tropa de linha, nunca vi tanto rancho em biboca da serra, tanto rapaz fino barbudo que nem bicho escondido no mato... O recrutamento esquentou a cada fazendeiro. Para segurar o filho, agarrando a saia da mamãe, entregava os escravos. Entregava chorando porque um negro naquele tempo dava dinheiro. Eu fui num corpo de voluntários quase no fim da guerra, mas ainda entrei em combate em Mato Grosso”.

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Ciganos: indesejáveis por cinco séculos

Eles são 15 milhões no mundo. E, não é de hoje, por todos os lados incomodam e suscitam medo. Principalmente na Europa, por onde se espalharam a partir do século XV
por Baudoin Eschapasse
(C) AKG Images / Latinstock
Grupo de ciganos com sua casa ambulante nos arredores de Paris, na década de 1960
Outubro 1421. De manhãzinha, carroças pesadamente carregadas atravessam os arredores da cidade de Arras, no norte da França. Puxadas por cavalos húngaros esgotados, não passam despercebidas. De fato, possuem pinturas de riqueza extraordinária. Nas rodas e nas laterais de madeira, grandes afrescos alternam motivos florais e silhuetas de animais coloridos. As pessoas que se dirigem para o mercado param, embevecidas. De onde podem vir esses carros espantosos cujos cocheiros dissimulam os rostos sob grandes chapéus que os protegem da chuva? Os curiosos amontoam-se. Quando a caravana pára, descem umas trinta pessoas, que chamam a atenção: calças bufantes e coletes bordados para os homens, grandes vestidos listrados e turbantes para as mulheres. Porém, mais que as roupas, é a língua o que mais surpreende: não se parece com nada conhecido!

Um homem, que se apresenta como chefe, adianta-se no meio da multidão. Pergunta, arranhando um francês misturado de alemão e latim, onde fica a prefeitura. Mostram-lhe o edifício. Ao magistrado, o homem, que usa um brinco dourado e se diz conde do Pequeno Egito, exibe uma carta do imperador Sigismundo recomendando que seu grupo seja tratado e recebido “como cristãos nobres”. Explica que ele e seus homens estão realizando uma peregrinação, sem dar mais detalhes sobre o objeto nem o itinerário da viagem.

Nos arquivos da cidade onde está registrada a visita, o redator descreve-o como “muito diferente dos vagabundos que a cidade vê passar durante as feiras. Ele é de pele escura e usa cabelos compridos e barba farta”. Ao passo que a moda na França, nessa época, está para fios curtos...

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Pesquisando o movimento negro no Brasil

Influenciada pela luta anti-racismo na África e nos Estados Unidos, a militância brasileira cresceu nos anos 1970 e hoje colhe grandes conquistas
Verena Alberti e Amilcar Araujo Pereira

O Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 13 de junho de 1964 com a finalidade de coordenar as atividades de informação e contra-informação em todo o país, produziu inúmeros relatórios sobre assuntos julgados pertinentes à Segurança Nacional durante o regime militar. Num deles, de 14 de julho de 1978, podemos encontrar um relato sobre a manifestação, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, daquilo que se tornaria mais adiante o Movimento Negro Unificado (MNU), uma das entidades do movimento negro surgidas no Brasil na década de 1970.

Realizou-se em São Paulo, no dia 7 julho de 1978, na área fronteiriça ao Teatro Municipal, junto ao Viaduto do Chá, uma concentração organizada pelo autodenominado “Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial”, integrado por vários grupos, cujos objetivos principais anunciados são: denunciar, permanentemente, todo tipo de racismo e organizar a comunidade negra. Embora não seja, ainda, um “movimento de massa”, os dados disponíveis caracterizam a existência de uma campanha para estimular antagonismos raciais no País e que, paralelamente, revela tendências ideológicas de esquerda. Convém assinalar que a presença no Brasil de Abdias do Nascimento, professor em Nova Iorque, conhecido racista negro, ligado aos movimentos de libertação na África, contribuiu, por certo, para a instalação do já citado “Movimento Unificado”.

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De boca em boca


Tiradentes era um orador incansável: dos prostíbulos às pousadas de beira de estrada, fez da palavra sua grande arma
Tarcísio de Souza Gaspar

Que ele arrancava dentes, é fácil de se imaginar. Mas a habilidade de Joaquim José da Silva Xavier que realmente causava arrepios nas autoridades portuguesas era outra: ele falava pelos cotovelos. E falava bem.

Antes de se tornar o “mártir da Independência”, Tiradentes foi um exímio comunicador: persuasivo, incansável e – talvez seu traço mais relevante – sem preconceito de público. Onde houvesse concentração de gente e pontos de encontro propícios à conversa, lá estava ele.

Em 1789, João Rodrigues, dono de uma estalagem em Varginha, no caminho que ligava os centros mineradores ao Rio de Janeiro, foi chamado a prestar depoimento no inquérito sobre a Inconfidência Mineira. Motivo: tempos antes ele hospedara o alferes Silva Xavier. A hospedagem em si não lhe teria causado maiores problemas, se o famigerado falastrão não tivesse começado a expor, de modo exaltado, seu descontentamento político.

O estalajadeiro contou aos juízes uma conversa que tivera com outro hóspede após a passagem de Tiradentes: “Vossa Mercê não sabe que há por cá valentões que se querem levantar com a terra? [...] Era um semiclérigo”. O termo usado pelo depoente não era apenas irônico, mas altamente simbólico. Ao desvendar o lado “semiclérigo” de Tiradentes, ele não só confirma que seu hóspede falava demais (como um padre em pregação), como deixa claro que o hábito de falar em tom de convencimento estava ligado à atuação dos representantes da Igreja.


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Os inventores do ‘New Deal’


Políticas de Vargas tinham muito em comum com as de Roosevelt, que tirou os Estados Unidos da Grande Depressão
Flávio Limoncic

“Duas pessoas inventaram o New Deal: o presidente do Brasil e o presidente dos Estados Unidos”. O autor da frase foi o próprio criador do histórico plano de recuperação da economia norte-americana, Franklin Delano Roosevelt (1882-1945). O elogio foi feito em visita ao Rio de Janeiro, em novembro de 1936, e referia-se ao governo de Getulio Vargas.

Pode ter sido apenas uma gentileza do visitante. Ou alguém imagina que possa haver algo em comum entre o presidente que tirou os Estados Unidos da Grande Depressão e o líder que viria a ser, um ano depois, o ditador do Estado Novo, muitas vezes comparado a Mussolini?

A associação é mesmo rara, mas Roosevelt não falou aquilo à toa. Diante da crise do liberalismo iniciada com o crash da Bolsa de Nova York, em 1929, e que se prolongaria por boa parte da década de 1930, ambos colocaram o Estado no centro da vida econômica de seus países: Roosevelt, para enfrentar os problemas de uma gigantesca economia industrial em depressão, e Vargas, para industrializar o Brasil. Ao fazê-lo, construíram pactos sociais com setores do movimento sindical e do empresariado.

As obras públicas, projetos de desenvolvimento e de geração de emprego e renda foram acionados pelos dois. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, cuja construção começou em 1941, se tornaria um marco do desenvolvimento industrial brasileiro, ao passo que a Tennessee Valley Authority, de Roosevelt, seria o mais ambicioso programa de desenvolvimento regional até então implementado. Para gerar empregos e renda, o New Deal lançou mão também de programas criativos como o Civilian Conservation Corps (CCC), que mobilizou 2,5 milhões de jovens na restauração de sítios históricos, manutenção dos Parques Nacionais, limpeza de reservatórios de água, conservação de solo e plantio de dois bilhões de árvores.

Por outro lado, Vargas e Roosevelt colocaram o Estado no coração das disputas entre capital e trabalho. No Brasil, os sindicatos foram enquadrados em uma estrutura corporativa, enquanto nos Estados Unidos a Lei Wagner (1935) lhes garantia mais liberdade. Ainda assim, as organizações de trabalhadores submetiam-se a uma série de procedimentos, obrigações e normas ditados pela Agência Nacional de Relações de Trabalho. Tal qual a Justiça do Trabalho de Vargas, a Agência tinha não só o poder de criar normas, mas também de julgar litígios.


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